quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Caso Amarildo: reflexo da impunidade dos torturadores

A tortura continua tão viva como antes, quando era utilizada contra adversários políticos da ditadura
A opinião pública acompanha com estarrecimento os detalhes da investigação sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro. O Ministério Público Estadual do Rio já sabe que o corpo da vítima foi retirado da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela Rocinha, envolto em uma capa de motocicleta depois de sua morte por tortura, segundo depoimento de um policial da PM. 
Vinte cinco anos depois que a Constituição Federal foi promulgada, a tortura continua tão viva como antes, quando era utilizada contra adversários políticos da ditadura cívico-militar. Neste novo caso, as denúncias apontam o major Edson Santos, ex-comandante da UPP e outros nove PMs como responsáveis pelo trucidamento de Amarildo, por meio de choques elétricos, afogamento, espancamento e outras crueldades, com o suposto objetivo de obter informações sobre o tráfico. A vítima não resistiu às atrocidades. Outras testemunhas já haviam relatado outros casos de tortura praticados pelo mesmo grupo contra moradores da favela. Com isso, ficou bastante abalada a credibilidade do programa de pacificação posto em prática em várias áreas do Rio pelo governo estadual.
O episódio confirma a tese, segundo a qual, a persistência da prática de tortura nos órgãos policiais é decorrente da impunidade dos torturadores quando do fim das ditaduras do Estado Novo e de 1964. Na redemocratização de 1946, os membros da polícia política e seu principal cabeça – o capitão Felinto Müller – ficaram impunes. O mesmo aconteceu, ao final da ditadura de 1964, quando foi providenciada uma anistia prévia para os torturadores, sem que eles tivessem sido identificados, nem seus crimes esclarecidos.
Embora revalidada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a anistia promulgada pela ditadura foi rejeitada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA - instituição da qual o Brasil é signatário. Nos últimos dias, abriu-se uma nova esperança de revisão dessa decisão equivocada, com a anunciada posição do novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em favor da punição dos agentes do Estado envolvidos em crimes durante a ditadura. Enquanto isso não ocorrer, o Brasil não cessará de registrar novos atentados dessa ordem.
Jornal O POVO    Fortaleza Ceara 17.10.2013

Bomba proibida usada na Cinelândia

Cinelândia, 07-10-2013. Na ocupação da Câmara, esclarecimentos sobre a bomba proibida, filmado também pelos Ninjas.

Segundo o Jornal Zona de Conflito Mídia Independente "Bombas de gás Rubber Ball GL 309 , atiradas hoje pela PM, foram encaminhadas para advogados. Essas bombas são proibidas pela ONU por conterem 20% a mais de gás do que o permitido. São consideradas armas químicas letais. O Brasil as exporta para Israel e Turquia, mas nunca eram usadas aqui.Serão encaminhadas para a Comissão de Direitos Humanos da ONU."

Conforme Cris Brasil, sobre os sintomas:

Os sintomas desse gás azul e sinais estão directamente relacionados com a dose de cianeto, a via de exposição e o tipo de composto.
Os sais de cianeto são cáusticos e pode ocorrer sensação de queimação na língua e inflamação da mucosa gástrica após a ingestão. Em casos de inalação pode ocorrer irritação nasal.
Os cianetos podem cheirar a amêndoas amargas, o que pode ser uma pista, mas caso não se detecte o odor de uma substância, não significa que não tenha cianetos, porque 40 a 60% da população não consegue detectar o odor, sendo esta anosmia determinada geneticamente .
Os sintomas propriamente ditos começam poucos minutos após a ingestão de sais de cianeto. A exposição aguda afecta o sistema nervoso central inicialmente estimulando-o e depois deprimindo-o e os sintomas são dependentes da concentração administrada. Concentrações baixas de cianetos podem produzir sintomas e sinais não específicos como: dor de cabeça, agitação, náuseas, desmaios, vómitos, confusão e incontinência. Exposição a concentrações mais elevadas pode provocar hipertensão seguida de hipotensão, taquicardia seguida de bradicardia, dispneia, descoordenação de movimentos, convulsões, cianose, coma e disfunção cardíaca ou respiratória que pode ser fatal. Estes sintomas são na sua maioria resultado da hipóxia tecidular que se instala após a intoxicação por cianeto.
A ingestão crónica de pequenas doses pode ocorrer por ingestão de plantas ricas em glicosídeos cianogénicos, como por exemplo a mandioca mal processada, muitas vezes associada a uma dieta com poucas proteínas e por isso deficiente em enxofre que ajuda a destoxificar o veneno. Nestes casos, o resultado pode ser uma neuropatia denominada atáxica tropical uma vez que estas situações são mais comuns nos trópicos, onde a mandioca é uma das plantas mais utilizadas na alimentação. A neuropatia atáxica tropical é uma doença do sistema nervoso que torna a pessoa instável e descoordenada.
O envenenamento grave por cianeto, especialmente durante períodos de fome está associado com o konzo, uma paralisia irreversível e debilitante e em alguns casos com a morte. Em certas áreas a incidência de neuropatia atáxica tropical e konzo podem chegar aos 3%.
Os cianetos causam também insuficiência da produção de hormonas da tiróide porque quando há ingestão de cianeto ocorre destoxificação por conversão do cianeto em tiocianatoque é uma substância que inibe a captação de iodo pela glândula tiróide, impedindo-a de produzir T3 e T4 e provocando o seu aumento (bócio).
A ambilopia associada ao tabaco e a neuropatia periférica associada à amigdalina são outras condições provocadas pela intoxicação crónica por cianetos. 08/10/2013

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Documento revela ação pré-Operação Condor

Papéis revelam ação anterior à Operação Condor
Autor(es): Roberto Simon
O Estado de S. Paulo - 09/10/2013
A Comissão da Verdade localizou no Arquivo Nacional de Brasília documentos secretos que ligam o desaparecimento, no fim de 1973, de três militantes de esquerda no Rio de Janeiro e dois em Buenos Aires, revela Roberto Simon. A descoberta reforça a tese de que os serviços de inteligência do Cone Sul cooperavam na luta contra a “subversão” antes mesmo da criação da Operação Condor
Documentos ligam desaparecimentos no Brasil e na Argentina antes da cooperação entre os países

A Comissão Nacional da Verdade localizou documentos secretos que ligam diretamente os desaparecimentos de três militantes de esquerda no Elo de Janeiro e dois em Buenos Aires, ambos ocorridos no fim de 1973. As informações reforçam a tese de que serviços de inteligência do Cone Sul já cooperavam na luta contra a "subversão" antes mesmo da Operação Condor, que teria início dois anos mais tarde.
Encontrados no Arquivo Nacional de Brasília, os papéis trazem novos detalhes sobre o sumiço do francês Jean Henri Raya Ribard, do argentino Antonio Pregoni e do brasileiro Caiupy Alves de Castro em Copacabana, em 23 de novembro de 1973. Os sequestros teriam ligação com a prisão, na capital argentina, do major exonerado e banido do Brasil Joaquim Pires Cerveira e do também brasileiro João Batista Rita, em dezembro daquele ano.
Os documentos foram localizados pelo grupo de trabalho da comissão que investiga a Operação Condor, sob a coordenação da advogada Rosa Cardoso. Na sexta-feira, a Comissão Nacional e a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, farão uma audiência pública sobre os três desaparecidos no Rio em novembro de 1973. Falarão no evento o secretário executivo do Arquivo Nacional da Memória da Argentina, Carlos Lafforge, e a psicanalista Mabel Bernis Raya, viúva do francês Raya. Ela vive atualmente em Buenos Aires, onde foi localizadapela comissão nacional.
"Tenho enorme satisfação em dar uma voz aos desaparecidos, essa categoria de vítimas de nossas ditaduras que não estão nem mortas, nem vivas. É preciso mostrar que pessoas não "desaparecem" - e meu marido daquela época não desapareceu77, disse Mabel, em entrevista por telefone ao Estado.
Mo início de 1974, ela viajou ao Rio em busca de Raya e, depois de levantar as primeiras informações, foi "aconselhada" por seu advogado a deixar imediatamente o Brasil. "Tentei também recorrer ao consulado francês, mas sem resultados. Agora sinto que essalongahistó-ria terá um desfecho."
Ciex. A principal tese sobre os desaparecimentos é que Raya, vigiado pela inteligência brasileira, manteve contato com exilados na Argentina e, em seguida, com pessoas que viviam na clandestinidade no Rio. Um relatório interno do Centro de Informações do Exterior (Ciex), do Ministério das Relações Exteriores, localizado pela comissão, corrobora essa hipótese.
No documento, datado de março de 1974, o agente Alberto Conrado Avegno - codino-me "Altair" - relata segredos obtidos por um informante não identificado. Segundo a fonte, a poeta argentina Alicia Eguren, militante peronista, era a ponte entre o maj or brasileiro Cerveira, exilado na Argentina após ter sido banido do Brasil, e o grupo integrado pelo francês Raya e pelo argentino Pregoni. Este último também preso em Copacabana - era veterano do movimento armado dos tupamaros, do Uruguai.
Ainda com base no relato do informante, o documento do Ciex avisa que o francês viajara ao Brasil em novembro de 1973 para uma ação armada em parceria com o grupo do major do Exército. O alvo da suposta operação não é identificado. A fonte da inteligência brasileira iria ao Rio para investigar melhor o que havia acontecido com Raya - identificado erroneamente no relatório pelo nome de "Juan Rays".
Para o secretário executivo da Comissão Nacional da Verdade, André Saboia Martins, não há mais dúvidas de que os sequestros no Rio e em Buenos Aires, no fim de 1973, são parte de uma mesma história. "Além do relatório do Ciex, que cita explicitamente o nome dos envolvidos, há outras referências aos casos nos documentos encontrados pela comissão", afirma Sabóia.
Os três presos na zona sul do Rio haviam passado por Buenos Aires pouco antes. À época, a Argentina estava sob a presidência de Juan Domingo Perón, eleito após voltar do exílio, em 1973 " os militares tomariam "oficialmente" a Casa Rosada cm 1976. Mesmo assim, setores dos serviços de segurança de ambos os lados da fronteira criaram canais de cooperação, mostram os documentos.
A partir de 1975, esse esforço conjunto seria institucionalizado em uma reunião no Chile sob o emblema da Operação Condor.

Novo procurador-geral defende punição de agentes da ditadura

São Paulo – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou haver possibilidade jurídica de punir agentes do Estado que cometeram crimes durante a ditadura (1964-85). Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), Janot muda o entendimento do antecessor, Roberto Gurgel, para quem a questão estava enterrada desde que em 2010 a Corte se manifestou pela plena constitucionalidade da Lei de Anistia, aprovada pelo Congresso em 1979, ainda durante o regime.
“A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consuetudinário quanto de caráter principiológico, do direito internacional dos direitos humanos”, defende Janot, que tomou posse no último dia 17 em Brasília e já marca uma diferença grande em relação ao antecessor. Em 2010, Gurgel encampou a visão do STF de que a anistia "resultou de um longo debate nacional para viabilizar a transição entre o regime militar e o regime democrático atual". O Ministério Público Federal vem movendo nos últimos anos ações visando à punição penal dos torturadores, mas até agora o ocupante do cargo mais alto da instituição não havia se manifestado de forma tão categórica a favor da existência de um caminho jurídico para garantir condenações.
Janot externou sua posição em parecer sobre a extradição de um policial argentino que atuou durante o último regime autoritário daquele país (1976-83). O documento, datado de 24 de setembro, foi divulgado hoje pelo MPF, e acolhe a perspectiva de que o Direito Internacional Público resguarda os direitos básicos da população. Esta é, também, a primeira vez que o procurador-geral se posiciona em favor do acolhimento da sentença proferida em dezembro de 2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na ocasião, a entidade integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não investigar os fatos do passado e não punir agentes do Estado, e determinou que a Lei de Anistia não fosse utilizada como pretexto para deixar de apurar e sancionar violações.
“Na persecução de crimes contra a humanidade, em especial no contexto da passagem de um regime autoritário para a democracia constitucional, carece de sentido invocar o fundamento jurídico geral da prescrição”, avalia Janot. “Nos regimes autoritários, os que querem o socorro do direito contra os crimes praticados pelos agentes respectivos não deixam de obtê-lo porque estão dormindo, e sim porque estão de olhos fechados, muitas vezes vendados; não deixam de obtê-lo porque estão em repouso, e sim porque estão paralisados, muitas vezes manietados.”
Na avaliação da Corte Interamericana, em uma leitura reiterada por várias convenções firmadas no âmbito das Nações Unidas, não há que se falar em prescrição de crimes que violam os direitos humanos básicos. A visão parte do “ius cogens”, termo em latim que designa o direito de gentes, figura jurídica acolhida pela Constituição argentina desde o século 19. Janot adverte que, ainda que a legislação brasileira tenha diferenças em relação à do país vizinho, os direitos básicos garantidos pela Carta Magna garantem a imprescritibilidade deste tipo de infração e, na falta dela, o Direito internacional.
O entendimento de Janot contraria não apenas o de Gurgel, mas o de alguns ministros do STF, que após a condenação pela Corte Interamericana se manifestaram no sentido de que as decisões tomadas internamente se sobrepunham às adotadas internacionalmente, o que contraria convenções adotadas pelo Brasil, entre elas a Convenção de Viena, conhecida como “tratado dos tratados”, editada em 1969 e promulgada no país 40 anos depois.
Agora, o procurador-geral acolhe a visão mais comum no plano externo, de que o Direito Internacional se baseia em regras comuns, do ponto de vista moral, à maioria das nações – como, por exemplo, a visão de que a tortura deva ser repudiada e punida, independentemente de quando tenha ocorrido – e que, na falta de ação dos Estados nacionais, a comunidade global tem o dever e o direito de garantir punições a agentes que incorram neste tipo de violação. Para Janot, é “hipocrisia hermenêutica” a posição de que os crimes cometidos pela ditadura devam ser deixados no passado. “Não há segurança jurídica a preservar quando a iniciativa se volta contra o que constituiu pilar de sustentação justamente de um dos aspectos autoritários de regime que, para se instaurar, pôs por terra, antes de tudo, a mesma segurança jurídica.”
Desde a decisão da Corte Interamericana, o MPF testou algumas vezes o Judiciário federal em ações contra algumas figuras do regime – entre elas, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi em São Paulo entre 1970 e 1974. Alguns casos foram arquivados, mas outros têm seguido adiante. Na última semana a Justiça Federal em São Paulo recusou o arquivamento de um dos processos e determinou a tomada de depoimentos de testemunhas relacionadas ao caso do corretor de valores e ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, preso em junho de 1971 e visto pela última vez em 1973.
Até agora, porém, nenhuma dessas ações chegou ao STF, que tampouco julgou os recursos apresentados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à decisão tomada em 2010, ao rejeitar a possibilidade de punir torturadores até então resguardados pela Lei de Anistia. Não se sabe se a nova composição da Corte, que de lá para cá assistiu à substituição de alguns ministros, poderá levar a uma nova interpretação, que alinhe o Direito interno brasileiro à visão defendida pela OEA.
Curiosamente, ao julgar outros pedidos de extradição da Argentina, alguns dos magistrados que rejeitaram a possibilidade de condenação penal no Brasil aceitaram a leitura de que crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Relator do caso do agente Cláudio Vallejos, Gilmar Mendes defendeu no ano passado que “nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o fato de o crime ter sido cometido há décadas, na verdade está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”.
É esse um dos argumentos que têm sido testados pelo MPF, e que agora é defendido também por Janot. Ele pediu que o STF autorize a extradição do argentino Manuel Alfredo Montenegro, acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura no país vizinho. Segundo a Interpol, o então inspetor da Polícia Federal prendeu e torturou três militantes – ele tem prisão decretada pela Justiça da província de Misiones desde 2010.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Justiça nega extinção de processo contra Brilhante Ustra e marca audiências

Ele é acusado de sequestro de um corretor, ex-fuzileiro naval, nos anos 1970. Depoimentos de testemunhas serão colhidos em dezembro

por Redação RBA publicado 02/10/2013 20:07
SÉRGIO LIMA/FOLHAPRESS
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Ustra, que este ano prestou depoimento à Comissão da Verdade, defende que acertou durante a ditadura
São Paulo – A Justiça Federal negou pedido de extinção de processo que envolve o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, além de Carlos Alberto Augusto – nomeado este ano como delegado em Itatiba (SP) – e o delegado aposentado Alcides Singillo. Os três são acusados de sequestro do corretor de valores e ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte. Preso em junho de 1971, ele foi visto pela última vez em 1973. Além de determinar o prosseguimento da ação, a Justiça marcou audiências para 9, 10 e 11 de dezembro, para ouvir testemunhas de acusação, na 9ª Vara Federal de São Paulo.
Segundo o Ministério Público Federal, Edgar ficou inicialmente preso no Doi-Codi, sendo transferido depois para o Dops. Ele foi expulso das Forças Armadas após o golpe de 1964, exilou-se no México e em Cuba, retornando ao Brasil em 1968, para viver em São Paulo com nome falso. No fim dos anos 1970, reencontrou-se com um antigo colega de Marinha, José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, com quem chegou a dividir apartamento. “Há suspeitas de que Duarte foi sequestrado apenas porque conhecia a verdadeira identidade do Cabo Anselmo, que passara a atuar como informante dos órgãos de repressão”, diz o MPF.
O órgão informa ainda que procuradores encontraram documento do 2º Exército comprovando a prisão de Edgar, que de fato trabalhava como corretor e não pertencia a nenhuma organização política. “Não tinha, portanto, como reconheceram os próprios órgãos de repressão, qualquer envolvimento com a resistência ao regime ditatorial.”
Além de Ustra, conhecido nome das listas de torturadores do regime, o delegado Carlos Alberto Augusto também é citado como agente da repressão. No início deste ano, foi nomeado para exercer a função em Itatiba, causando protestos. Ex-subordinado do delegado Sérgio Paranhos Fleury, ele chegou a dar entrevista negando participação no sequestro. Também foi o autor do próprio Cabo Anselmo, com quem teria se aliado posteriormente. Uma das ações mais conhecidas foi o chamado massacre da Chácara São Bento, em Paulista (PE), em 1973, quando morreram seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – entre os quais Soledad Barreto Vidma, que estava grávida do próprio Anselmo.
O MPF sustenta que o crime contra Edgar não está prescrito. A tese, diz o Ministério Público, “é baseada em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizaram a extradição de agentes acusados pelo Estado argentino de participação em sequestros realizados há mais de 30 anos, sob o argumento de que, enquanto não se souber o paradeiro das vítimas, remanesce a privação ilegal da liberdade e perdura o crime”. Além disso, acrescenta, “a Lei da Anistia não se aplica ao caso, pois os fatos continuaram a ser praticados após a sua edição”.psw

Caso Amarildo: impunidade de agentes da ditadura ajuda a eternizar tortura

Mário Magalhães

03/10/2013 11:47






Ontem e hoje, o pau-de-arara. E amanhã? – Foto reprodução
( O blog agora está no Facebook e no Twitter )
Não passa de equívoco histórico afirmar que a ditadura inaugurada em 1964 introduziu a tortura no país.
Tal expediente consagrou-se durante a escravidão, quando a lei contemplava o castigo físico dos negros cativos. O pau-de-arara, instrumento de sevícias empregado contra os escravos, perenizou-se. Os agentes públicos recorreram a ele ao torturar presos políticos no período 1964-85.
O que fez a ditadura instaurada com a deposição do presidente constitucional João Goulart foi adotar a tortura como política de Estado, ainda que nenhuma norma legal autorizasse a conduta.
Ao contrário do que sucedeu com funcionários do III Reich depois da guerra e com repressores argentinos da ditadura 1976-83, os torturadores e assassinos a soldo do Estado não foram punidos no Brasil.
A tortura e o desaparecimento forçado são crimes imprescritíveis, mas os violadores de direitos humanos estão morrendo de velhos, sem ter sentado no banco dos réus ou dormido uma só noite na cadeia.
Vigora a impunidade.
Se escapou de processo, julgamento e condenação quem torturou milhares de cidadãos, matou mais de 400 (a maioria executada sumariamente, na tortura ou depois dela) e sumiu com uma centena e meia, por que os servidores públicos do futuro não escapariam?
A impunidade contribui para eternizar a prática da tortura por agentes do Estado. O pau-de-arara que vem da escravidão e da ditadura sobrevive como hardware em instalações policiais do país, como o noticiário comprova. Barbarizam jovens e pobres, na maioria negros e mestiços.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro concluiu que o pedreiro Amarildo foi assassinado por PMs que o teriam torturado na noite de 14 de julho de 2013. O Brasil está repleto de casos como o de Amarildo, de São Paulo ao Pará, do Paraná a Alagoas.
A discussão sobre a punição aos torturadores e homicidas da ditadura aborda o passado somente na forma. O conteúdo essencial trata do Brasil que se quer construir, com ou sem tortura, com ou sem impunidade.
Punir os antigos repressores é tão importante quanto condenar os matadores do Amarildo. As agendas se combinam, como uma receita única para combater o mal.

Quando dólares falam mais alto

Engana-se quem pensa que já se conhecem todos os fatos relacionados com o golpe civil militar de 1964 que derrubou o Presidente constitucional João Goulart. Nos últimos meses, graças ao trabalho das Comissões da Verdade, sejam estaduais ou a Nacional, muito fato novo vem sendo divulgado.
Mas um fato desta semana, protagonizado por João Vicente Goulart, ao ouvir uma denúncia do então Major do Exército Erimá Pinheiro Moreira, poderá mudar o entendimento de muita gente sobre a ocorrência mais negativa da história recente brasileira. O alerta tem endereço certo, ou seja, aqueles que ainda imaginam terem os golpistas civis e militares agido por idealismo ou algo do gênero.
O Major farmacêutico em questão, hoje anistiado como Coronel, servia em São Paulo em 31 de março de 1964 sob as ordens do então comandante II Exército, General Amaury Kruel (foto). Na manhã daquele dia, Kruel dizia em alto e bom som que resistiria aos golpistas, mas em pouco tempo mudou de posição. E qual foi o motivo de o general, que era amigo do Presidente Jango Goulart, ter mudado de posição assim tão de repente, não mais que de repente?
Mineiro de Alvinópolis, Erimá Moreira, hoje com 94 anos, e há muito com o fato ocorrido naquele dia trágico atravessado na garganta, decidiu contar em detalhes o que aconteceu. O militar, que era também proprietário de um laboratório farmacêutico e posteriormente convidado a assumir a direção de um hospital, foi procurado por Kruel no hospital. Naquele encontro, o general garantiu ao major que Jango não seria derrubado e que o II Exército garantiria a vida do Presidente da República.
Pois bem, as 2 da tarde Erimá foi procurado por um emissário de Kruel de nome Ascoli de Oliveira dizendo que o general queria se reunir com um pessoal fora das dependências do II Exército. Erimá indicou então o espaço do laboratório localizado na esquina da Avenida Aclimação, local que hoje é a sede de uma escola particular de São Paulo. Pouco tempo depois apareceu o próprio comandante do II Exército, que antes de se dirigir a uma sala onde receberia os visitantes pediu ao então major que aguardasse a chegada do grupo.
Erimá Moreira ficou aguardando até que apareceram quatro pessoas, um deles o presidente interino da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), de nome Raphael de Souza Noschese, este já conhecido do major. Três dos visitantes carregavam duas maletas grandes cada um. Erimá, por questão de segurança, porque temia que pudessem estar carregando explosivos ou armas, mandou abrir as maletas e viu uma grande quantidade de notas de dólares. Terminada a reunião foi pedida que a equipe do major levasse as maletas até o porta-malas do carro de Amaury Kruel, o que foi feito.
De manhã cedo, por volta das 6,30 da manhã, Erimá Moreira conta que mais ou menos uma hora e meia depois da chegada no laboratório ligou o rádio de pilha para ouvir o discurso do comandante do II Exército. Moreira disse que levou um susto quando ouviu Kruel dizer que se “o Presidente da República não demitisse os comunistas do governo ficaria ao lado da “revolução”.
Erimá Moreira então associou o que tinha acontecido no dia anterior com a mudança de postura do Kruel e falou para si mesmo: “pelo amor de Deus será que ajudei o Kruel a derrubar o Presidente da República?”
Ainda ouvindo o discurso de Kruel, conta Erimá, chegaram uns praças para avisar que tinha uma reunião marcada com o general no QG do II Exército.
Na reunião, vários militares, alguns comandantes de unidades, eram perguntados se apoiavam Kruel. “Eu não aceitei e pedi para ser transferido”.
Indignado, Erimá Moreira dirigiu-se a um coronel do staff do comandante do II Exército para perguntar se o general Kruel não tinha recebido todo aquele dinheiro para garantir a vida do Presidente. “Me transfiram daqui, que com o Kruel no comando eu não fico”.
Aí então – prossegue Erimá Moreira – me colocaram de férias para eu esfriar a cabeça. Na volta das férias, depois de um mês, fiquei sabendo pelo jornal que o Kruel havia me cassado”.
A partir de então o Major e a família passaram maus momentos com os vizinhos dizendo à minha mulher que era casada com um comunista. “Naquela época, quem fosse preso ou cassado era considerado comunista”.
Algum tempo depois contei esta história que estou contando agora ao General Carlos Luis Guedes, meu amigo desde quando servimos em unidades militares em São João del Rey. Fiz um relatório por escrito e com firma reconhecida. O General Guedes tirou xerox e levou o relato para a mesa do Kruel. Em menos de 24 horas o Kruel pediu para ira para a Reserva. Fiquei sabendo que com o milhão de dólares que recebeu do governo dos Estados Unidos comprou duas fazendas na Bahia”.
Ao finalizar o relato, o hoje Coronel Erimá Moreira mostrou-se aliviado e ao ser perguntado se autorizava a divulgação desse depoimento, ele respondeu que “não tinha problema nenhum”.
Nesse sentido, sugerimos aos editores de todas as mídias que procurem o Coronel Erimá Pinheiro Moreira para ouvir dele próprio o que foi contado neste espaço. Sugerimos em especial aos editores de O Globo, periódico que recentemente fez uma autocrítica por ter apoiado o golpe de 64, que elaborem matéria com o militar que reside em São Paulo

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Maria Rita Kehl e Davi Kopenawa: Não quero mais morrer outra vez

Em agosto deste ano, visitei pela Comissão da Verdade uma aldeia ianomâmi, para investigar as violações sofridas pelos indígenas durante a abertura da estrada Perimetral Norte, a partir de 1974.
Ao final do testemunho de quatro anciãos, Davi Kopenawa, um dos mais influentes pajés da aldeia, concedeu o depoimento que se segue.
Os ianomâmis e irmãos indígenas irão a Brasília no dia 2 para protestar contra a proposta de emenda constitucional 215, que retira do Executivo o poder de demarcar terras indígenas, em favor dos congressistas.
"Eu não sabia que existia governo. Veio chegando de longe até nossa terra: são pensamentos diferentes de nós. Pensamentos de tirar mercadoria da terra: ouro, diamantes, cassiterita, madeira, pedras preciosas. Matam árvores, destroem a terra mãe, como o povo indígena fala. Ela é que cuida de nós. Ela nasceu, a natureza grande, para a gente usar.
Eu não sabia que o governo ia fazer estradas aqui. Autoridade não avisou antes de destruir nosso meio ambiente, antes de matar nosso povo. Não só os ianomâmi: o povo do Brasil. A estrada é um caminho de invasores, de garimpo, de agricultores, de pescadores. Tiram 'biopirataria' sem avisar nós. Estradas que o governo construiu começaram lá em Belém, depois Amapá, Manaus, Boa Vista. Mataram nossos parentes waimiri-atroari. É trabalho ilegal. O branco usa palavra ilegal.
A Funai, que era pra nos proteger, não nos ajudou nem avisou dos perigos. Hoje estamos reclamando. Só agora está acontecendo, em 2013, que vocês vieram aqui pedir pra gente contar a história. Quero dizer: eu não quero mais morrer outra vez.
O governo local e nacional, deputados, senadores, governadores, todos têm que pensar como o governo vai nos proteger e não deixar mais destruir matas e rios e fazer sofrer os ianomâmis e outros parentes, junto com a floresta. O ambiente sofre também, junto com o índio.
Minha ideia: eu ando no meu país, o Brasil. Sou filho da Amazônia brasileira, conto para quem não sabe o sofrimento do meu povo. Não queremos que a autoridade deixe estragar outra vez. Se o governo quer fazer estrada na terra ianomâmi, tem que entrar e conversar com nós, junto com o Ibama. O governo Dilma está aprontando para estragar outra vez. Nosso povo não quer. 
A autoridade tem que respeitar a Constituinte que o governo passado criou. O que fala a OIT, no papel, não pode mudar, não. Tem que ser respeitado.
Querem mudar o artigo 231. O projeto [de lei complementar] 227 vai permitir matar nós, não vai mais deixar demarcar terras de nossos parentes. O governo tem que completar o trabalho e demarcar as terras dos povos que ainda estão lutando. Demarcar as terras de quem ainda falta demarcar. 

Hoje em dia, nós, lideranças, sabemos reclamar! Também precisa falar com outros governos do mundo que mandam estrangeiros virem destruir a natureza de nosso país. Não queremos aprovação de projetos de mineração no Congresso. Vamos passar fome quando não tiver mais árvores, peixes, água limpa. Belo Monte é morte, não é uma palavra bonita. Vai matar árvores, rios, índios, vida da terra.
Os brancos pensam que a floresta foi posta em cima do chão sem nenhum motivo. Pensam que a floresta é uma coisa morta. Isso não é verdade. Ela só fica lá, quieta no chão, porque os espíritos dos xapiripe tomam conta dos seres maléficos e seguram a raiva dos seres da tempestade. Sem a floresta, não teria água na terra. As árvores da floresta são boas porque estão vivas, só morrem quando são cortadas. Mas daí elas nascem de novo. É assim. Nossa floresta é viva, e se os brancos acabarem com nosso povo e com as matas, eles não vão saber orar em nosso lugar, vão ficar pobres e acabar sofrendo de fome e sede.
Queremos que nossos filhos e netos possam crescer achando nela seus alimentos. Nossos antepassados foram cuidadosos com ela, por isso está até hoje com boa saúde. Foi o governo que tirou nossa floresta, nossos rios e a vida dos irmãos. Tem que pagar indenização. Porque nossa vida vale mais do que ouro."
MARIA RITA KEHL, 61, psicanalista, é integrante da Comissão Nacional da Verdade
DAVI KOPENAWA, 57, é pajé da aldeia ianomâmi Watoriki. Recebeu o prêmio Global 500 da ONU