A tortura continua tão viva como antes, quando era utilizada contra adversários políticos da ditadura
A opinião pública acompanha com estarrecimento os detalhes da investigação sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, no Rio de Janeiro. O Ministério Público Estadual do Rio já sabe que o corpo da vítima foi retirado da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela Rocinha, envolto em uma capa de motocicleta depois de sua morte por tortura, segundo depoimento de um policial da PM.
Vinte cinco anos depois que a Constituição Federal foi promulgada, a tortura continua tão viva como antes, quando era utilizada contra adversários políticos da ditadura cívico-militar. Neste novo caso, as denúncias apontam o major Edson Santos, ex-comandante da UPP e outros nove PMs como responsáveis pelo trucidamento de Amarildo, por meio de choques elétricos, afogamento, espancamento e outras crueldades, com o suposto objetivo de obter informações sobre o tráfico. A vítima não resistiu às atrocidades. Outras testemunhas já haviam relatado outros casos de tortura praticados pelo mesmo grupo contra moradores da favela. Com isso, ficou bastante abalada a credibilidade do programa de pacificação posto em prática em várias áreas do Rio pelo governo estadual.
O episódio confirma a tese, segundo a qual, a persistência da prática de tortura nos órgãos policiais é decorrente da impunidade dos torturadores quando do fim das ditaduras do Estado Novo e de 1964. Na redemocratização de 1946, os membros da polícia política e seu principal cabeça – o capitão Felinto Müller – ficaram impunes. O mesmo aconteceu, ao final da ditadura de 1964, quando foi providenciada uma anistia prévia para os torturadores, sem que eles tivessem sido identificados, nem seus crimes esclarecidos.
Embora revalidada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a anistia promulgada pela ditadura foi rejeitada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA - instituição da qual o Brasil é signatário. Nos últimos dias, abriu-se uma nova esperança de revisão dessa decisão equivocada, com a anunciada posição do novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em favor da punição dos agentes do Estado envolvidos em crimes durante a ditadura. Enquanto isso não ocorrer, o Brasil não cessará de registrar novos atentados dessa ordem.
Jornal O POVO Fortaleza Ceara 17.10.2013