domingo, 9 de junho de 2013

Comissão da Verdade do Rio garante: "Torturadores podem ser levados a juízo




Wadih Damous lamenta o atraso nas Comissões: "Perdeu-se aquela mobilização politica pós-ditadura"


Henrique de AlmeidaJornal do Brasil
Aprovada na Assembleia Legislativa do Rio quase um ano após o Projeto de Lei 889 ter sido apresentado aos deputados, a Comissão da Verdade do Rio já começou enfrentando obstáculos parecidos com os que passaram os que desafiaram a repressão: a obstrução à investigação sobre o período da Ditadura Militar no Brasil, entre 1964 e 1985.
Só no Rio de Janeiro, foram 111 mortos e desaparecidos durante o período, entre eles o caso emblemático do deputado Rubens Paiva. O presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e ex-presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, concede esta entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil.
 Entre críticas à criação tardia das Comissões da Verdade e pedidos por uma maior cooperação das Forças Armadas, a Comissão promete linha dura contra os torturadores: "Quem tiver responsabilidade comprovada será levado a juízo". Leia a entrevista a seguir:
Jornal do Brasil: Começo pelo que vi de mais recente em relação à Comissão da Verdade: Você, nos Testemunhos da Verdade, de Dulce Pandolfi e Lúcia Murat, chorando durante os depoimentos. Você considera este um símbolo desta Comissão, que procura revelar o que houve na Ditadura no Rio de Janeiro entre 1964 e 1985, que causou a morte e desaparecimento de 111 pessoas em todo o Estado?
Wadih Damous: “Não lembro se chorei, mas ali foi um momento muito importante se nós colocarmos esses depoimentos em confronto com o discurso que a máquina publicitária da Ditadura montou ao longo dos anos. Um dos pilares das distorções históricas que a ditadura produziu é que foi feita uma revolução para defender a democracia e salvar o Brasil do Comunismo. Neste discurso, se excessos houve, como tortura, foi necessário porque se vivia uma guerra, inclusive contra o terrorismo.Claro que uma análise até mais superficial deita por terra essa afirmação. A tortura começou a ser praticada antes de qualquer ação armada da esquerda brasileira. A tortura foi uma marca da ditadura. E, no caso da professora Luci Pandolfi e da cineasta Lúcia Murat, sobretudo da Dulce Pandolfi, torturou-se por mero sadismo. Elas foram usadas como cobaias, o que se chamava de “boneco da tortura”. Resolveu-se dar uma aula de tortura em um determinado dia e pegaram a Dulce para essa demonstração. Deve ser ressaltada, afora demonstrar que esse discurso da ditadura é uma farsa, a coragem dessas mulheres. Elas se expuseram publicamente, contaram em detalhes o suplício sofrido lá no DOI-CODI, e isso mostra que sobretudo as novas gerações de brasileiras precisam saber o que aconteceu neste país.
JB: A pergunta agora é de caráter pessoal, Wadih: como você, cidadão Wadih Damous, se tornou interessado pela questão da revelação de uma verdade envolvendo o período da Ditadura Militar no Rio, e como se deu a sua nomeação para a presidência da Comissão?
WD: A minha consciência como ser humano, como cidadão, ela foi se formando na época da ditadura civil-militar. Eu, já estudante de segundo grau e posteriormente na faculdade de direito da UERJ, não havíamos como não vivenciar o que acontecia. Ou se omitia, ou tomava-se uma posição. E eu tomei posição. Ainda teve a minha formação, juntamente com uma série de pessoas com quem eu também convivia. Saber que pessoas eram torturadas, ou que desapareciam, e viver sob censura às artes, à imprensa, e ver a perseguição ao movimento estudantil, tudo isso se transformou em indignação. Lutei contra a ditadura de meados da década de 70 ao início da década de 80, fui presidente do Diretório Central da UERJ, do Centro acadêmico Luis Carpenter do direito da UERJ. E a ditadura deixou este legado, triste e lúgubre, de mortos e desaparecidos, além dos casos de mortos e desaparecidos. Houve também o atentado à OAB que matou a secretária Lyda Monteiro, em 1980, a bomba no Rio Centro, que poderia ter vitimado milhares de jovens em 1981...tudo isso já era do nosso conhecimento e nos causava indignação, e fez muito da minha consciência como cidadão.
JB: no dia 14 de março. Porém, a posse ocorreu somente no dia 8 de maio. Quais foram os entraves que causaram essa demora? E mais importante: esta demora chegou a causar algum prejuízo nos trabalhos da Comissão aqui no Rio de Janeiro?
WD: Entraves burocráticos são uma constante na máquina administrativa brasileira. Se discutiu durante muito tempo a estrutura, o número de assessores, os salários, e isso atrapalhou o início dos trabalhos, porque tínhamos as indicações e nomeações, mas não tínhamos tomado posse. Nem tínhamos lugar para nos reunir. No entanto, há entraves políticos também. O projeto de lei levou quase um ano tramitando na Assembleia Legislativa no Rio de Janeiro( NR: o projeto foi publicado a 25/10/2012), e houve várias obstruções por parte de parlamentares daqui do Rio(NR: O principal articulador foi Flavio Bolsonaro, do PP-RJ), que não queriam a criação da Comissão. Isso atrasou sobremaneira a instalação desta.
Agora, se nós descortinarmos o cenário nacional, nós sabemos que a Comissão Nacional da Verdade se instalou tardiamente, quase 30 anos depois da ditadura. Isso é ruim, porque aquele período de mobilização pós-diretas, pós-ditadura, ficou perdido. Se naquele momento uma Comissão fosse criada, as condições políticas seriam mais favoráveis. Neste período, desapareceram com arquivos, perpetradores morreram, vítimas morreram, mas nada disso vai servir de justificativa para que deixemos de cumprir nossa missão. Espero que possamos dar nossa contribuição para estes casos que a ditadura deixou como legado.E pelo menos aqui no Rio já há um consenso na Comissão, entre os seus membros, de que haverá judicialização em relação àqueles que nós constatarmos serem responsáveis pelos fatos denunciados. Nós vamos levá-los a juízo.
JB: Após um ano de criação da Comissão Nacional da Verdade, completado no último dia 13 de maio, muitos ainda têm críticas quanto à atuação desta, envolvendo falta de participação social nos trabalhos da Comissão e o caráter sigiloso de algumas de suas investigações e o fato de a lei não prever que ela leve à Justiça possíveis responsáveis por violações, como aconteceu na Argentina. De que forma isso preocupa a Comissão aqui no Rio? Isso chegou a fazer a Comissão repensar algumas de suas prioridades?
WD: Existem incompreensões em relação ao trabalho da comissão da verdade tanto à direita quanto à esquerda. Á direita, obviamente, a Comissão é vista, taxada de revanchista, “Comissão de Meia Verdade”, porque só se investigaria um lado; E à esquerda, há entidades e pessoas que entendem que a Comissão é governista, que não tem condições de apurar nada, quase inútil. Para mim, os dois lados estão errados. É uma comissão de Estado, não de governo. Ela tem uma missão muito importante, que não é só de recontar a história, como se fosse um conclave de historiadores. É um trabalho de investigação, que vai influir por uma nova narrativa da história do Brasil, mas sobretudo o relatório final das comissões deve colaborar e contribuir para que se concebam políticas públicas a partir daquilo que foi apurado, a partir das conclusões a que se chegar a Comissão.Um exemplo é mudar a formação dos nossos soldados, das nossas Forças Armadas. É uma formação que remonta à Guerra Fria, à idéia de inimigo interno. Das forças de segurança pública, das polícias, que trabalham com o conceito de “guerra contra o crime” e praticam políticas de extermínio, tortura, desaparecimentos...Acho que o resultado final da Comissão, se ela tiver êxito, deve caminhar neste sentido.Aqui no Rio, teremos os Fóruns da Sociedade, cuja segunda reunião será realizada em breve. São reuniões mensais em que as entidades e pessoas que quiserem participar poderão acompanhar os trabalhos da Comissão. Ali, vamos nos submeter às críticas, elogios e sugestões de quem queira colaborar.
O sigilo será respeitado a partir do momento em que alguém que chamarmos para depor pedir isso. Se ele em troca me der informações de onde está enterrado Rubens Paiva, de quem colocou a bomba na OAB, de onde está enterrado Stuart Angel, quem participou da Casa da Morte em Petrópolis, eu aceito o sigilo.

Comissão acompanhou exumação do corpo de Alex Xavier, guerrilheiro morto pelo DOI-CODI de São Paulo em 1972, aos 22 anos. A irmã, Iara, acompanhou os trabalhos

JB: Quando teremos a presença de agentes da repressão nos Testemunhos? A presença de Carlos Alberto Brilhante Ustra na Comissão da Verdade, ao chamar um vereador preso durante a ditadura de “terrorista”, causou bastante polêmica.
WD: Estamos tratando disso com muito cuidado. Nos depoimentos da Pandolfi e da Lúcia Murat, elas denunciaram vários nomes, que foram anotados. Os que estiverem no Rio serão chamados. E esses trabalhos não partiram do zero, há o trabalho dos parentes desde a época da ditadura. O Grupo Tortura Nunca Mais vai ceder arquivos à Comissão da Verdade, por exemplo. As próprias Comissões de Anistia, de Mortos e desaparecidos, também apuraram muita coisa. Então a partir desses novos trabalhos, vamos interrogar possíveis perpetradores ou testemunhas. Hoje mesmo(quinta-feira, 6 de junho), estou embarcando para Fortaleza, porque me encontrarei com o ex-delegado da Polícia Federal que dirigiu o inquérito do caso da Bomba na OAB. Ele exerce o Direito lá, e concordou em encontrar com ele. Então, tudo será feito no seu momento, sem atropelo, sem ansiedade, mas a partir de um itinerário que possa nos levar a obter as informações que nós queremos, todos serão chamados para depor.
JB: Vocês estão instalados no prédio da OAB, onde aconteceu o atentado em 1980 que matou a secretária Lyda Monteiro, em uma carta-bomba endereçada ao presidente da OAB. Qual o simbolismo dessa escolha de local? E quais são os principais pontos da investigação dos atentados à OAB em 1980 e no 1º de Maio de 1981, no Rio Centro?
WD: Há duas razões para a nossa sede ser ali: primeiro, enfatizar a autonomia da Comissão em relação ao Estado, sem nenhuma dependência material. Segundo e mais fundamental, até pela minha origem e por ter acabado de deixar a presidência da OAB no Rio de Janeiro, e a Ordem tem uma importância institucional marcante na sociedade, e foi uma vítima da ditadura. A bomba que vitimou a Dona Lyda tem um caráter emblemático até hoje. Por isso que a sede é lá no quarto andar do prédio histórico do Conselho Federal. A minha sala era a sala onde Lyda despachava. É fundamental lembrar disso.
JB: Recentemente, você elogiou a nomeação do advogado trabalhista Fernando Dia, em ato do prefeito Rodrigo Neves, para presidente da Comissão Municipal da Verdade de Niterói (RJ).Quais outras cidades já estão se articulando para a posse de suas comissões municipais da verdade? E algum outro equipamento esportivo do Rio foi utilizado para este fim, segundo as investigações da Comissão, uma vez que o estádio de Caio Martins já foi citado como local de tortura em Niterói?
WD: Em relação à criação de Comissões Municipais no Rio, eu estive em Volta Redonda, e já está tudo encaminhado para que o projeto de lei na Câmara de Vereadores seja aprovado nesta segunda-feira(10). A Comissão Municipal deve ser presidida por algum representante da OAB. Em Macaé e em São Gonçalo, também está se criando Comissões Municipais, e também há a presença da OAB como mola propulsora. Isso me deixa muito contente e muito orgulhoso, porque o trabalho que desenvolvemos durante seis anos aqui na OAB deu frutos.Quanto a outros estádios utilizados como locais de tortura

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