Grupo estuda recomendar punição por violações de direitos humanos, mas não há consenso; para sociólogo, tarefa cabe à Procuradoria
Roldão Arruda - O Estado de S.Paulo
A Lei da Anistia causa preocupações e debates na Comissão da Verdade.
Ganha corpo entre seus integrantes a ideia de que o relatório final da
comissão, a ser divulgado no segundo semestre de 2014, deve recomendar a
revisão da interpretação legal em vigor e a responsabilização penal de
agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos no
período da ditadura militar.
Atualmente, eles não podem ser responsabilizados pelos crimes que estão
sendo apurados pela comissão. Integrantes que defendem a recomendação da
mudança argumentam que a lei que criou o grupo, em 2011, incluiu entre
suas tarefas sugerir ao Estado brasileiro medidas eficazes para que as
violações não se repitam. Uma dessas medidas seria o julgamento de
militares e policiais envolvidos em casos de sequestro, tortura,
ocultação de cadáveres e outros crimes na ditadura.
Para
o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, um dos integrantes do grupo, a Lei
de Anistia não interfere no trabalho, uma vez que sua missão é
averiguar, esclarecer e documentar as violações de direitos humanos,
apontando autorias e responsabilidades. Mas o trabalho da comissão, diz,
só vai até aí: "O Ministério Público é quem pode utilizar os documentos
e as provas que apresentarmos para tentar responsabilizar penalmente os
agentes apontados".
Indagado
se a comissão vai recomendar que os responsáveis pelos crimes sejam
julgados, ele diz que o assunto ainda está em análise. Pessoalmente, diz
ser favorável a recomendar que o Brasil acate a decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema.
Em novembro de 2010, o
tribunal condenou o Brasil numa ação movida por familiares dos
guerrilheiros mortos no Araguaia e impôs ao Estado a obrigação de
esclarecer as mortes e localizar os corpos. Ainda considerou inaceitável
a concessão de anistia aos perpetradores de crimes contra a humanidade.
Naquele mesmo ano, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a Lei de Anistia.
Há
uma forte pressão de familiares de mortos e desaparecidos para que a
comissão siga o entendimento da CIDH. Algumas comissões estaduais
dedicadas à investigação dos fatos sobre a ditadura também pressionam. A
Comissão Rubens Paiva, do Legislativo paulista, começa a distribuir
nesta semana o texto da sentença da CIDH para chamar a atenção de que o
Brasil não cumpriu até agora as determinações.
Judicialização.
Em Pernambuco, o cientista político Manoel Moraes, da Comissão da
Memória e Verdade Dom Helder Câmara, observa que a responsabilização
penal seria a terceira etapa da chamada justiça de transição: "Começamos
com reparação, agora estamos resgatando a memória e esperamos chegar à
judicialização dos casos".
Na
avaliação dele, os agentes de Estado já estão conscientes desse
processo. "Quando o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra
recorreu à Justiça, garantindo o direito de ficar calado em seu
depoimento perante a Comissão da Verdade, ele mostrou que está
preocupado com o que vem por aí. No fundo, queria ter garantias para não
produzir provas contra ele, pois teme que sejam usadas em processos
futuros", disse.
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