segunda-feira, 8 de julho de 2013

A trajetória do primeiro anistiando indígena


Por humberto
A maior razão de ter voltado do exílio no final de 2010 era pleitear ao Estado Brasileira minha Anistia, estimulado, principalmente, por pessoas que achavam que tinha chegado a hora, com a eleição da Dilma, de incluir na pauta da tal "justiça de transição", a delicada questão dos Indios e a Ditadura.
Uma ferida, concretada e condenada a ficar no frio tumulo do silencio e do esquecimento, que resolvi desenterrar em 2009, com depoimentos testemunhais do que vivi em aldeias indigenas na Amazonia no inicio dos anos 70 e no Nordeste no inicio de 80 (que o Nassif transformou em posts na chamada coluna Historias da Ditadura).
Com a reação raivosa e até ameaçadora da maioria dos leitores (uns de bota e farda verde) sabia que iniciava uma nova frente de luta contra uma certa resistencia, sob o manto da democracia, instalada não só nos altos escalões do Governo, mas tbém na Sociedade, onde os indios sempre foram vistos como empecilhos. 
Como todo processo que se inicia na justiça, a necessidade de um profissional especializado em Direitos Humanos se tornou o primeiro grande obstáculo. Iniciei uma peregrinação no Rio de Janeiro, passei pela OAB, Grupos Tortura Nunca Mais, em vão.
Em Sao Paulo fui bater na porta do jurista Dalmo Dallari, que já conhecia minha militancia. Surgiu aí a primeira esperança de encontrar este profissional. Indicado por ele, fui prá Brasilia encontrar a advogada Denise, do CIMI-Conselho Indigenista Missionário. Na sede, entreguei nas suas mãos, todos os documentos que possuia (jornais da época, fichas do SNI, processo do Tribunal que me concedeu o status de Refugiado Politico -o primeiro indio a receber tal status- reconhecido pela Alto Comissariado da ONU, etc).
Espero até hoje a resposta que ela me daria depois de conversar com seus superiores.
Desistindo de encontrar um profissional que estivesse disponível a dar seu tempo por uma causa (injusta?), me tornei meu próprio advogado: fiz consultas, li tudo (ou qse) que existia sobre a ditadura, depoimentos de anistiados, leis correspondentes, pesquisas no Arquivo Nacional, etc,. Foram 3 meses de reclusão.
Em agosto de 2011 dei entrada no meu requerimento no protocolo da Comissão da Anistia, contendo umas 50 páginas.Tornei-me o primeiro "Anistiando" indigena.
A partir de então passei a bater insistantemene nesta tecla subtraída de um teclado feito para não se compor as palavras genocidio, barbarie, atrocidades, crimes de lesa humanidade, contra indios brasileiros.
Apesar de todas entrevistas que dei no blog do Nassif, Carta Capital, Carta Maior, Viomundo (só prá citar os mais conhecidos) debates no meio estudantil, etc, e a Comissão da Verdade e Ministerio Publico Federal terem se pronunciado a favor, e os conflitos sangrentos mais recentes, tanto no meio rural e urbano envolvendo indios, divulgados até pela grande mídia, meu processo se encontrava engavetado no Gabinete da Presidencia da Comissão da Anistia, há 12 meses. " Não interessa ao Governo esta demanda" me informava um funcionário da Comissão.
Resolvi, então sacar de derradeira arma de pressão: iniciar greve de fome (anunciada dia 19 de abril e decidido a levar até as ultimas consequências). Resultado: ressuscitaram meu processo, marcando-se a data do julgamento para o dia 04 deste mês.
Me preparei para receber a negação do meu pedido. Alguns recentes amigos, que militam no chamado movimento social, no Rio de Janeiro, me confortaram com otimismo de anistiados: " Não se preocupe, o colegiado da Comissão da Anistia é sensivel e vão lhe coneceder a Anistia, pela importancia que isto significará".
Tentei saber quem seria o relator (a) do meu processo mas não obtive resposta, somente fiquei sabendo quando a Sra.Suelly Bellato, passou a presidencia da sessão para uma conselheira para relatar meu processo.
A partir deste momento passo a viver os momentos mais surpreendentes da minha vida. Ela começa dizendo que meu processo era muito novo, só tinha dois anos, comparando a outros processos que esperam ha qse 10 anos...para serem julgados, na sequência fala do meu pai com de desconfiança " conhecido como indio no Governo João Goulart"... e que minha ida para uma aldeia na Amazonia teria sido na intenção de ser reconhecido como indio... " sinceramente, não sei quem é indio", não parou por aí, "no requerimento, o sr. José Humberto, que recebeu o nome indigena de Tiuré, pede para reconhecermos o status de refugiado que o Governo do Canada lhe concedeu", dizia para os conselheiros, " acho que não devemos reconhecer as decisões de outro pais, somos soberanos e...sou barrista! afirmou orgulhosa... finalizando, deu aos conselheiros a oportunidade de me questionarem. Dos 3 conselheiros presentes ( um homem e duas mulheres) olhavam prá mim como se eu estivesse caido de paraqueda naquela sala. Um deles tenta saber em que momento eu passei a me identificar como indio...uma outra dizia que seria muito arriscado abrir um precedente no reconhecimento da decisão do Canada... não puderam continuar pois a relatora\presidenta da sessão, vice-presidente da Comissão interrompia com ar autoritario, para lembrar-lhes que ainda tinha outros processos para serem analizados...
Incrédulo, pensei que encontrava-me numa delegacia de policia onde me sentia na obrigação de provar que não era um réu e não numa sessão no palácio da justiça em Brasília diante de pessoas que estavam ali para provar que o Estado Brasileiro que era o culpado por ter causado crimes de lesa-humanidade ao povo brasileiro.
A irmã da Santa Madre Igreja Catolica, SUELY BELLATO, diante de um processo de um indio, o primeiro a solicitar reparação do Estado Brasileiro, transforma-se na pessoa de um diabo.
Mente (" o requerente não prova que era funcionário da Funai na época da Ditadura"); Omiti ( o sequestro, torturas e ameaças de morte por agentes da PF e meu ativismo na Amazonia) descaracteriza minha identidade indigena e de meu pai (" o requerente foi para Amazonia para ser reconhecido como indigena" e "seu pai era conhecido no Governo Jango como "indio"); Derespeita leis internacionais ("não reconheço o status de refugiado que o requerente obteve no Canadá, o Brasil é soberano e eu sou barrista"); Legitima um estado de exceção e confirma uma versão falseada da Ditadura ("não existe provas de que o requerente foi impedido de entrar na Unb em 68" ou "os fazendeiros são os culpados pelos problemas causados aos indios" e "dizem que a prisão do requerente tinha que a ver com drogas").
O que é mais grave não menciona meu dossiê (anexado ao processo) feito pelo SNI, antes do meu sequestro e torturas.
Totalmente transtornado e diante de conselheiros perplexos, declarei solenemente que em protesto ao inesperado desfecho que tomou meu julgamento, retomava naquele momento a greve de fome interrompida em 19 abril passado.
Preocupados com a repercussão (acredito), reabriram meu processo e marcaram um novo julgamento para o dia 1 de agosto, próximo.
Quando, espero, que pelo menos, se debrucem sobre as 140 paginas, somadas as juntadas do Relatorio Figueiredo e outros, totalizando umas 230 páginas, contantes do meu processo.
E que saibam que a Anistia não foi criada somente para àqueles que lutaram no meio urbano e na Guerrilha do Araguaia, ou para os militares. Lembrando que meu caso é somente a ponta de um iceberg.

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