Comandante do Doi-Codi e delegado do Deops-SP são acusados de ocultar cadáver de Hirohaki Torigoe; ambos já respondem a outras ações civis e criminais por crimes praticados durante a ditadura militar
O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou nesta segunda-feira, pelo crime de ocultação de cadáver, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Destacamento de Operações Internas de São Paulo (Doi-Codi-SP) no período de 1970 à 1974. Esta é a terceira denúncia protocolada contra Ustra, que responderá pelo crime ao lado do delegado aposentado Alcides Singillo, que atuou junto ao Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP). Ambos são acusados de ocultar o cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, de 27 anos, morto no dia 05 de janeiro de 1972.
Além do crime denunciado nesta ação, o MPF apura as circunstâncias do desaparecimento doloso dos corpos de outros quinze dissidentes, mortos em São Paulo durante a ditadura militar e sepultados com identidades falsas em valas clandestinas nos cemitérios de Perus e Vila Formosa. A ação ajuizada nesta sexta-feira é a primeira pelo crime permanente de ocultação de cadáver; as quatro ações anteriores ajuizadas pelo MPF por crimes cometidos por agentes do regime eram casos de sequestro.
Segundo a versão oficial, divulgada à imprensa duas semanas após o fato, Torigoe foi morto na Rua Albuquerque Lins, bairro de Higienópolis, durante tiroteio com agentes da repressão política. Segundo a mesma versão, a demora na divulgação da morte ocorreu porque a vítima usava documentos falsos, em nome de “Massahiro Nakamura”. A família de Torigoe só soube do óbito pelo noticiário da TV.
Na ação penal proposta, o MPF contesta os registros oficiais a respeito da morte do estudante. Segundo o depoimento de duas testemunhas oculares ouvidas pelo MPF, Torigoe foi ferido, e levado ainda com vida ao Doi-Codi do II Exército, no bairro do Ibirapuera, onde foi interrogado e submetido à tortura. As testemunhas André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade, presos no Doi naquela data, afirmaram também que os agentes responsáveis pela prisão de Torigoe tinham, desde o princípio, pleno conhecimento da verdadeira identidade do detido. Apesar disso, todos os documentos a respeito da morte da vítima, inclusive o laudo necroscópico, a certidão de óbito e o registro no cemitério, foram elaborados em nome de “Massahiro Nakamura”.
Os documentos do Departamento de Ordem Política e Social – Deops preservados no Arquivo Público do Estado de São Paulo, dentre os quais uma “ata de reunião da comunidade de informações” redigida sete dias antes da divulgação oficial da morte, comprovam que a identidade do falecido era amplamente conhecida pelos órgãos da repressão política. Os documentos a respeito da vítima fornecidos pelos Arquivos Nacional e do Estado também atestam que Torigoe era tido como um “elemento de alta periculosidade”, “intensamente procurado pelos órgãos de segurança”.
O MPF também apurou que, além de falsificarem os documentos do óbito e de sepultarem clandestinamente o cadáver no cemitério de Perus, subordinados do denunciado Carlos Ustra negaram fornecer aos pais de Torigoe informações a respeito do paradeiro do filho desaparecido. Segundo testemunhou o irmão da vítima, Shunhiti Torigoe, antes do comunicado oficial da morte do jovem estudante, eles estiveram na sede do Doi-Codi, em busca de informações. Lá, porém, lhes foi dito que Hirohaki “não estava preso lá dentro”.
Hirohaki Torigoe era membro da Ação Libertadora Nacional – ALN e depois integrou-se ao Movimento de Libertação Popular – Molipo. Ambas as organizações foram fortemente combatidas pelos órgãos de repressão política porque pregavam a resistência armada ao regime. Segundo o relatório oficial Direito à Memória e à Verdade, “a atitude [adotada pela repressão política] foi de extermínio sem hesitação, sob torturas ou no próprio ato da prisão. Em fevereiro de 1972 começaram a ser detidos também os membros do Molipo que provinham da Frente de Massas.
Em outubro de 1972 novas quedas atingiram a direção remanescente e, a partir de então, o Molipo estava voltado para a preservação do pouco que restava de sua estrutura. Em 1973 um último fluxo de prisão atinge mais um casal do Grupo dos 28, assassinado entre Jataí e Rio Verde, no sul de Goiás. A partir daí não se teve mais noticias acerca da existência do Molipo, sabendo-se que, a quase totalidade dos 28 militantes especialmente visados foi assassinada pelos órgãos de repressão, entre eles alguns líderes do movimento estudantil de 1968.”
Na ação proposta nesta sexta-feira, o MPF acusa Carlos Alberto Brilhante Ustra de sepultar clandestinamente o cadáver de Hirohaki Torigoe; de falsificar os documentos do óbito com o intuito de dificultar a localização do corpo; de ordenar a seus subordinados que negassem aos pais da vítima informações a respeito de seu paradeiro e de retardar a divulgação da morte em duas semanas, tudo com a intenção de ocultar o cadáver e garantir a impunidade do homicídio, crime cuja autoria e materialidade ainda estão em apuração.
“A conduta dolosa de ocultação do cadáver resta totalmente caracterizada pelo fato de que os pais da vítima estiveram nas dependências do Doi-Codi antes da divulgação da notícia do óbito, em busca do paradeiro do filho. Lá, porém, funcionários do destacamento sonegaram-lhes a informação de que Hirohaki Torigoe fora morto naquele mesmo local e que seu corpo fora clandestinamente sepultado com um nome falso”, ressalta a ação.
A família de Torigoe também foi proibida durante anos de realizar a exumação do cadáver, sepultado com um nome falso. Desde 2006, um inquérito civil público instaurado pela PR-SP busca localizar o paradeiro dos restos mortais de Hirohaki Torigoe. Em 2007, foram exumados seis corpos do suposto local de sepultamento da vítima, mas os peritos concluíram que nenhuma das ossadas era compatível com a do estudante. Nova tentativa frustrada ocorreu em 2008. Assim, “até hoje permanecem os restos mortais de Hirohaki Torigoe ocultos para todos os fins, inclusive os penais”, afirma a ação do MPF.
O delegado de polícia aposentado Alcides Singillo é acusado de deixar de comunicar a correta identificação e localização do corpo à família da vítima, ao cemitério onde ele supostamente foi sepultado e ao cartório de registro civil onde o óbito foi registrado. Singillo era, na época, delegado do Deops de São Paulo e tinha ciência da identidade do falecido, pois colheu o depoimento do verdadeiro Massahiro Nakamura, que procurou a delegacia após a notícia de que Torigoe usava seu nome. A ação cita termo de declarações de Massahiro, assinado pelo ex-delegado, como a prova material de que Singillo tinha conhecimento do falso registro de óbito e que dolosamente omitiu-se em retifica-lo, contribuindo, deste modo, “decisivamente para a consumação do resultado naturalístico de natureza permanente previsto no tipo, incorrendo, assim, nas penas previstas no art. 211 do Código Penal”.
Testemunha – Corroborando os relatos dos ex-presos políticos, a ação cita o depoimento do ex-“analista de informações” do DOI do II Exército, Marival Chaves Dias do Canto. Ouvido pelo MPF em maio de 2012, o ex-sargento declarou que “entre 1969 e 1972 foi o período em que mais se matou e que mais se ocultou cadáveres, naqueles processos de interrogatórios sem consequência do DOI” e que “o DOI desenvolveu uma cultura de interrogar sem consequência, matar e, depois, ou criar um teatrinho para justificar a morte ou, então, chamar o legista para enterrar naquele cemitério clandestino”.
Assinam a ação os procuradores da República: Thamea Danelon de Melo, Sergio Gardenghi Suiama, Andrey Borges de Mendonça, Ivan Cláudio Marx, João Raphael Lima, André Casagrande Raupp, Tiago Modesto Rabelo, Antônio do Passo Cabral e o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert.
Além do crime denunciado nesta ação, o MPF apura as circunstâncias do desaparecimento doloso dos corpos de outros quinze dissidentes, mortos em São Paulo durante a ditadura militar e sepultados com identidades falsas em valas clandestinas nos cemitérios de Perus e Vila Formosa. A ação ajuizada nesta sexta-feira é a primeira pelo crime permanente de ocultação de cadáver; as quatro ações anteriores ajuizadas pelo MPF por crimes cometidos por agentes do regime eram casos de sequestro.
Segundo a versão oficial, divulgada à imprensa duas semanas após o fato, Torigoe foi morto na Rua Albuquerque Lins, bairro de Higienópolis, durante tiroteio com agentes da repressão política. Segundo a mesma versão, a demora na divulgação da morte ocorreu porque a vítima usava documentos falsos, em nome de “Massahiro Nakamura”. A família de Torigoe só soube do óbito pelo noticiário da TV.
Na ação penal proposta, o MPF contesta os registros oficiais a respeito da morte do estudante. Segundo o depoimento de duas testemunhas oculares ouvidas pelo MPF, Torigoe foi ferido, e levado ainda com vida ao Doi-Codi do II Exército, no bairro do Ibirapuera, onde foi interrogado e submetido à tortura. As testemunhas André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade, presos no Doi naquela data, afirmaram também que os agentes responsáveis pela prisão de Torigoe tinham, desde o princípio, pleno conhecimento da verdadeira identidade do detido. Apesar disso, todos os documentos a respeito da morte da vítima, inclusive o laudo necroscópico, a certidão de óbito e o registro no cemitério, foram elaborados em nome de “Massahiro Nakamura”.
Os documentos do Departamento de Ordem Política e Social – Deops preservados no Arquivo Público do Estado de São Paulo, dentre os quais uma “ata de reunião da comunidade de informações” redigida sete dias antes da divulgação oficial da morte, comprovam que a identidade do falecido era amplamente conhecida pelos órgãos da repressão política. Os documentos a respeito da vítima fornecidos pelos Arquivos Nacional e do Estado também atestam que Torigoe era tido como um “elemento de alta periculosidade”, “intensamente procurado pelos órgãos de segurança”.
O MPF também apurou que, além de falsificarem os documentos do óbito e de sepultarem clandestinamente o cadáver no cemitério de Perus, subordinados do denunciado Carlos Ustra negaram fornecer aos pais de Torigoe informações a respeito do paradeiro do filho desaparecido. Segundo testemunhou o irmão da vítima, Shunhiti Torigoe, antes do comunicado oficial da morte do jovem estudante, eles estiveram na sede do Doi-Codi, em busca de informações. Lá, porém, lhes foi dito que Hirohaki “não estava preso lá dentro”.
Hirohaki Torigoe era membro da Ação Libertadora Nacional – ALN e depois integrou-se ao Movimento de Libertação Popular – Molipo. Ambas as organizações foram fortemente combatidas pelos órgãos de repressão política porque pregavam a resistência armada ao regime. Segundo o relatório oficial Direito à Memória e à Verdade, “a atitude [adotada pela repressão política] foi de extermínio sem hesitação, sob torturas ou no próprio ato da prisão. Em fevereiro de 1972 começaram a ser detidos também os membros do Molipo que provinham da Frente de Massas.
Em outubro de 1972 novas quedas atingiram a direção remanescente e, a partir de então, o Molipo estava voltado para a preservação do pouco que restava de sua estrutura. Em 1973 um último fluxo de prisão atinge mais um casal do Grupo dos 28, assassinado entre Jataí e Rio Verde, no sul de Goiás. A partir daí não se teve mais noticias acerca da existência do Molipo, sabendo-se que, a quase totalidade dos 28 militantes especialmente visados foi assassinada pelos órgãos de repressão, entre eles alguns líderes do movimento estudantil de 1968.”
Na ação proposta nesta sexta-feira, o MPF acusa Carlos Alberto Brilhante Ustra de sepultar clandestinamente o cadáver de Hirohaki Torigoe; de falsificar os documentos do óbito com o intuito de dificultar a localização do corpo; de ordenar a seus subordinados que negassem aos pais da vítima informações a respeito de seu paradeiro e de retardar a divulgação da morte em duas semanas, tudo com a intenção de ocultar o cadáver e garantir a impunidade do homicídio, crime cuja autoria e materialidade ainda estão em apuração.
“A conduta dolosa de ocultação do cadáver resta totalmente caracterizada pelo fato de que os pais da vítima estiveram nas dependências do Doi-Codi antes da divulgação da notícia do óbito, em busca do paradeiro do filho. Lá, porém, funcionários do destacamento sonegaram-lhes a informação de que Hirohaki Torigoe fora morto naquele mesmo local e que seu corpo fora clandestinamente sepultado com um nome falso”, ressalta a ação.
A família de Torigoe também foi proibida durante anos de realizar a exumação do cadáver, sepultado com um nome falso. Desde 2006, um inquérito civil público instaurado pela PR-SP busca localizar o paradeiro dos restos mortais de Hirohaki Torigoe. Em 2007, foram exumados seis corpos do suposto local de sepultamento da vítima, mas os peritos concluíram que nenhuma das ossadas era compatível com a do estudante. Nova tentativa frustrada ocorreu em 2008. Assim, “até hoje permanecem os restos mortais de Hirohaki Torigoe ocultos para todos os fins, inclusive os penais”, afirma a ação do MPF.
O delegado de polícia aposentado Alcides Singillo é acusado de deixar de comunicar a correta identificação e localização do corpo à família da vítima, ao cemitério onde ele supostamente foi sepultado e ao cartório de registro civil onde o óbito foi registrado. Singillo era, na época, delegado do Deops de São Paulo e tinha ciência da identidade do falecido, pois colheu o depoimento do verdadeiro Massahiro Nakamura, que procurou a delegacia após a notícia de que Torigoe usava seu nome. A ação cita termo de declarações de Massahiro, assinado pelo ex-delegado, como a prova material de que Singillo tinha conhecimento do falso registro de óbito e que dolosamente omitiu-se em retifica-lo, contribuindo, deste modo, “decisivamente para a consumação do resultado naturalístico de natureza permanente previsto no tipo, incorrendo, assim, nas penas previstas no art. 211 do Código Penal”.
Testemunha – Corroborando os relatos dos ex-presos políticos, a ação cita o depoimento do ex-“analista de informações” do DOI do II Exército, Marival Chaves Dias do Canto. Ouvido pelo MPF em maio de 2012, o ex-sargento declarou que “entre 1969 e 1972 foi o período em que mais se matou e que mais se ocultou cadáveres, naqueles processos de interrogatórios sem consequência do DOI” e que “o DOI desenvolveu uma cultura de interrogar sem consequência, matar e, depois, ou criar um teatrinho para justificar a morte ou, então, chamar o legista para enterrar naquele cemitério clandestino”.
Assinam a ação os procuradores da República: Thamea Danelon de Melo, Sergio Gardenghi Suiama, Andrey Borges de Mendonça, Ivan Cláudio Marx, João Raphael Lima, André Casagrande Raupp, Tiago Modesto Rabelo, Antônio do Passo Cabral e o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert.
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